Poesia espírita
Poesia Espírita
(Sociedade de Paris, 20 de julho de 1866 – Médium: Sr. Vavasseur)

LEMBRANÇA

Dois jovens são: irmã e irmão,
Juntos em noite de verão,
Entram na choça. E a noite avança
A passo lento, sem palrança,
Por detrás deles, vaporosa
Como uma sombra misteriosa.
Já dorme o pássaro na mata,
E o vento norte se recata;
Tudo sonhava em doce arcano.
E diz a irmã, baixinho, ao mano:
Estou com medo; ouves, irmão
Chorar um sino ao longe, então?
É um dobre lúgubre a finados,
A um morto, pois. Não assustados,
Irmã, fiquemos, é uma alma
Que sai da Terra e que com calma
Reclama prece pra pagar
No eterno além o seu lugar.
Vamos, irmã, orar na igreja
De laje cinza e poenta, seja
Local em que de luto, um dia,
Por trás do esquife em que dormia,
A pobre mãe nós vimos pois.
Vamos orar também, irmã;
Bênçãos teremos amanhã.
Vamos já, vamos! – Logo, os dois,
De olhos em lágrimas, depois,
Deram-se as mãos e, com carinho,
Tomam, assim, logo o caminho
Que ambos conduz à velha igreja.
Segunda vez o sino harpeja
E lhes oferta o triste adeus
Do morto em busca de seu Deus,
Cessando o sino o seu lamento;
Mudos de medo e em desalento
Caminham as duas crianças
Co’olhar nos céus, têm esperanças.
Da igreja, então, já quase à entrada
Uma mulher viram sentada
À sombra da pilastra triste
Que a pia benta erguer lhe assiste.
Tendo os pés nus, face velada,
Pálida, louca e desgrenhada,
Ela exclamava alto: Ó meu Deus!
Vós que se adora aqui, nos céus,
Em todo o tempo, em toda a Terra,
E, no céu, pobre mãe se encerra
Tremendo aos pés de vosso altar,
Ante o amor vosso singular,
Diante de vós, ouse a aflição
De lamentar-se a estar então.
Senhor! Não tinha eu mais que um filho,
Um só; de um róseo e de um brilho
Qual branco raio que colora
Uma manhã de fresca aurora.
O terno azul dos olhos seus
Lembrava o azul dos vossos céus,
E em sua boca um riso doce
Fulgia assim como se fosse
Dizer: Não chores em teu lar;
É Deus que vem de me enviar.
Vê, a tormenta, mãe, cessou;
Espera! o céu limpo ficou;
E eu esperava. Mas, infante,
Tu te enganavas, inconstante.
Do vento o sopro sobre a praia
Tudo destrói e se desmaia,
Senão caniços que deixando
Ao pé das águas vão chorando.
E quando a morte bate à porta
De um lar, ela entra e então transporta
Consigo tudo! E por reduto
Só deixa a marca atroz do luto.
Sabia eu pois que um belo sonho
De uma manhã, finda tristonho,
À tarde aqui; que a noite, entanto,
Do sol inveja o brilho santo
Que empalidece a sua sombra,
Lançando um véu por toda a alfombra
A escurecer seus mil fulgores,
Fechando aos olhos esplendores.
Sim, eu sabia; a mãe, porém,
Ignora tudo; e não lhe vem
O que ela espera crente em tudo;
Bem para o filho, sobretudo.
Toda uma vida de ventura,
Eu não podia sem loucura
Um dia ter felicidade?
E outra é, Senhor, vossa vontade!
Seja ela feita, assim suspiro,
Só, neste humilde e atroz retiro,
Onde eu já vi morrer-me o esposo,
Onde, sem cor no ermo espinhoso,
Eu recebi de um pai o adeus,
Onde tirais da mãe os seus
Últimos sonhos de esperança
Diante do algoz de uma criança.
Morte, que a vítima vigia
Com cruel riso de alegria,
Senhor! Eu lhe suplico a mão
Que fere os meus, um dia, então,
Da própria mãe não lhe poupar
De o filho à terra reclamar.
E o sino última vez badala,
A estas palavras a voz fala
Da alma do filho sobre a terra
Consolo à pobre mãe encerra,
Ao lhe dizer: Nos céus estou!
Quando o casal de irmãos deixou
A velha igreja logo à entrada,
Vêem a mulher inda sentada.

Jean
R.E. , fevereiro de 1867, p. 82